Eles choram, respiram, têm veias aparentes e até pesam como um recém-nascido. Os chamados “bebês reborn” deixaram de ser apenas peças de colecionador para se tornarem parte da rotina e, em alguns casos, da vida emocional de milhares de pessoas. Com aparência realista, esses bonecos hiper detalhados geram encantamento, mas também levantam um debate delicado: até que ponto o uso dos reborns é saudável? Em que momento se torna um caso clínico?
Uma linha tênue entre o afeto e o desequilíbrio
Alguns usam os reborns para lidar com o luto pela perda de um filho, traumas emocionais ou a solidão. Outros, porém, desenvolvem relações tão intensas com os bonecos que passam a tratá-los como filhos reais: compram berços, contratam fotógrafos, criam perfis nas redes sociais e simulam amamentação, troca de fraldas e passeios. Especialistas em saúde mental alertam que esse comportamento, quando ultrapassa o campo do simbólico e interfere na realidade da pessoa, pode indicar quadros como depressão profunda, transtorno de personalidade, dissociação ou delírios afetivos.
“Não é o boneco o problema. É o uso que se faz dele. Quando há uma substituição emocional completa da realidade por um objeto inanimado, é hora de procurar ajuda profissional”, afirma o psiquiatra Dr. Luís Roberto Campos.
Casos de polícia envolvendo bonecas reborn
O uso intenso dos reborns já chegou às páginas policiais. Em 2019, um casal nos Estados Unidos usou uma boneca reborn para simular a morte de um suposto bebê e criar uma vaquinha online com o objetivo de arrecadar dinheiro. A mentira foi descoberta por uma amiga da família, e a polícia encontrou a boneca escondida na residência. O casal foi denunciado por fraude.
Já em 2024, na Inglaterra, a artista Ava Prior teve sua casa invadida pela polícia após vizinhos verem uma boneca reborn dentro de um carro e acreditarem que se tratava de uma criança abandonada. O caso repercutiu no mundo todo e levantou questões sobre a confusão entre arte e realidade. Ava precisou colocar cartazes na janela informando que nenhum bebê real vivia na casa.
A polêmica do batismo do boneco
No Brasil, outro caso ganhou notoriedade e acendeu o debate no meio religioso. Uma mulher tentou convencer um pastor evangélico a batizar seu bebê reborn. O pedido foi negado pelo líder religioso, que argumentou que o batismo é um sacramento reservado a seres humanos. A situação gerou indignação nas redes, dividindo opiniões: enquanto uns defendiam a mulher, outros reforçavam a necessidade de apoio psicológico.
Religião, saúde mental e redes sociais
“Vivemos em uma era de exposição excessiva da carência emocional”, explica a psicóloga Juliana Soares. “A internet muitas vezes romantiza comportamentos que, no fundo, escondem dores profundas. Quando uma mulher chora ao segurar um boneco e afirma ser sua filha, precisamos ouvir com sensibilidade, mas também com responsabilidade.”
Para especialistas, o reborn pode sim ser uma ferramenta terapêutica, quando utilizado sob acompanhamento psicológico, como ocorre com idosos em casas de repouso ou mães que sofreram abortos e precisam passar por uma fase de transição emocional. Porém, quando a fantasia ocupa o lugar da vida real, é necessário agir.
Bebês reborn não são apenas brinquedos ou obras de arte: tornaram-se um símbolo da complexidade emocional de uma geração marcada pela solidão, traumas e vínculos interrompidos. Se por um lado podem consolar, por outro podem aprisionar. Entre a beleza do realismo e os perigos da fuga da realidade, cabe à sociedade e especialmente aos profissionais da saúde mental olhar com atenção para esse fenômeno que, mais do que polêmico, é um espelho da fragilidade humana.
Fonte: Blog Olhar Digital.