Fóruns democráticos são mecanismos para solucionar possíveis conflitos por usos múltiplos da água e antecipar soluções de adaptação.
Os estudos de Impacto, Vulnerabilidade e Adaptação à Mudança do Clima da Quarta Comunicação Nacional do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) incorporaram uma abordagem metodológica integradora para analisar a segurança hídrica no Brasil. O estudo considera diferentes aspectos de vulnerabilidade e exposição que condicionam os riscos relacionados à mudança do clima, tanto no contexto atual como em cenários futuros, que preveem aumento das temperaturas e mudanças em padrões de chuvas.
“A mudança do clima é um desafio para o planejamento de longo prazo”, avalia o especialista em clima e recursos hídricos da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede CLIMA) do MCTI e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Daniel Andrés Rodriguez.
Essa forma mais abrangente de análise considerou as dimensões disponibilidade (se os recursos hídricos são suficientes considerando o clima e a demanda presentes e no futuro), acessibilidade (se os serviços de prover água e saneamento estão disponíveis para as sociedades e ecossistemas), seguridade e qualidade (se os serviços disponíveis e acessíveis são de boa qualidade e quais os níveis de risco de inundações e cheias), e governança (se a gestão garante a sustentabilidade dos recursos hídricos), bem como a relação com os usos múltiplos para a produção de alimentos, de energia, além dos aspectos socioambientais. Cada dimensão é representada por um índice composto por um conjunto de indicadores, conforme o documento detalha.
A perspectiva é de que a redução da disponibilidade hídrica projetada em cenários de clima futuro, associada às tendências crescentes de retirada para os próximos 20 anos, podem amplificar os conflitos já existentes entre as seguranças hídrica, alimentar, energética e socioambiental, ou seja, os conflitos por usos múltiplos desse recurso natural.
“A mudança do clima vai exacerbar vulnerabilidades já existentes”, antevê o cientista.
De acordo com o professor Rodriguez, além de estarem conectados com os objetivos de sustentabilidade, as dimensões, amplamente utilizadas na área acadêmica, conseguem transmitir uma mensagem mais precisa para os tomadores de decisão sobre priorização de ações em relação às políticas públicas.
“Isso aponta para uma importância maior das políticas públicas voltadas aos processos de adaptação. Isso é o mais importante”, afirma.
Os resultados do estudo, apresentados na Quarta Comunicação Nacional, apontam para a diminuição da disponibilidade hídrica em boa parte do país, afetada pelas alterações da mudança do clima no regime de chuvas e aumento das temperaturas, e pelo aumento da demanda por água.
“Esse índice nos permitiu incorporar as necessidades dos ecossistemas, da qualidade das águas, que de certa forma diminuem a disponibilidade hídrica e afetam os serviços ecossistêmicos, da vulnerabilidade a secas e cheias, e a parte de governança, que é essencial para tentar resolver os problemas antes que eles apareçam”, explica Rodriguez.
O Brasil dispõe atualmente de uma política de recursos hídricos considerada excelente e reconhecida mundialmente, em especial por considerar a ideia de manejo integrado, ou seja, de construção coletiva e democrática, com participação de diferentes atores. O desafio que ainda persiste é a implementação efetiva desses instrumentos, como os comitês das bacias hidrográficas.
“São fóruns de construção democrática para resolver esses conflitos pelos múltiplos usos da água”, explica.
Segundo o estudo, no Brasil, a implementação desses fóruns ou comitês de discussão é mais comum nos locais nos quais os conflitos por usos múltiplos da água já estão instalados. O cientista alerta que é importante antecipar-se e implementar mecanismos de governança para gerenciar os recursos hídricos antes de possíveis conflitos surgirem.
“Onde os conflitos [por água] não estão tão nítidos e presentes, [os fóruns] nem sequer estão cogitados. Se você já tem os pontos de discussão, quando surge um problema novo é mais rápido e fácil ter o mecanismo para resolvê-lo”, explica. O professor complementa que esses pontos de contato podem ser úteis para auxiliar na resolução inclusive de outras questões.
“Quando se fala em mudança do clima e adaptação, não é apenas o que já conhecemos, é estarmos preparados para algo que possa nos surpreender. Precisamos ter prontos os mecanismos para enfrentar”, afirma.
O professor analisa que os estudos sobre mudança do clima, pelas características que apresentam, de abordar cenários futuros, possibilidades a longo prazo, são muito úteis para subsidiar com informações científicas a tomada de decisão e o planejamento dos gestores públicos ou da iniciativa privada.
“A Comunicação Nacional incorpora esse processo e ainda transforma as informações em algo mais ‘palatável’ para os tomadores de decisão”, conclui.
Saiba mais: O envio das Comunicações Nacionais à UNFCCC é um compromisso assumido pelo governo brasileiro em 1994, ao ratificar a adesão do país à Convenção do Clima. O envio dos dados atualizados deve ocorrer a cada quatro anos, conforme determina as regras do acordo internacional para países em desenvolvimento.
O projeto executado pelo MCTI, por meio da Coordenação-Geral de Ciência do Clima e Sustentabilidade, conta com financiamento do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), e tem o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) como agência implementadora.
Acesse aqui o documento da Quarta Comunicação Nacional do Brasil à Convenção do Clima e conheça em detalhes as análises de Impactos, Vulnerabilidade e Adaptação à mudança do clima que envolvem a segurança hídrica.
Acesse aqui os artigos científicos publicados na revista Sustentabilidade em Debate, editada pela Universidade de Brasília, que embasam as análises de Impactos, Vulnerabilidade e Adaptação à mudança do clima da Quarta Comunicação Nacional do Brasil à Convenção do Clima.
Fonte: MCTI (Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação).