O cantor Caetano Veloso voltou a ganhar espaço no debate político ao convocar a população para se mobilizar contra a chamada PEC das Prerrogativas, apelidada por ele de “PEC da bandidagem”. Segundo o artista, o Brasil precisa dar uma resposta “saudável” contra o projeto.
A fala inflamou os debates nas redes sociais. Mas junto com a convocação veio também a pergunta que não quer calar: até que ponto artistas que receberam milhões em verbas públicas ao longo das últimas décadas podem se colocar como porta-vozes do povo comum?
Milhões em verbas públicas: o histórico de Caetano
O nome de Caetano Veloso está diretamente ou indiretamente ligado a cifras milionárias vindas de projetos aprovados via Lei Rouanet e contratos públicos. Eis alguns números:
- Projetos de empresas de Paula Lavigne (sua empresária e companheira) captaram aproximadamente R$ 11,3 milhões em leis de incentivo. Outro projeto chegou a ser autorizado em mais de R$ 20 milhões, mas captou cerca de R$ 4 milhões.
- Show de Réveillon em Fortaleza (2010): a prefeitura declarou pagamento de cerca de R$ 715 mil como cachê para apresentação do artista.
- Projeto “Tour Caetano Veloso”: tentativa de captar R$ 2 milhões pela Lei Rouanet, rejeitado pelo próprio governo por considerar que a turnê era “comercialmente viável”.
- Irregularidades e multas: reportagens apontam valores superiores a R$ 3 milhões em questionamentos e possíveis multas envolvendo a aplicação da Lei Rouanet, embora a assessoria de Caetano tenha negado irregularidades diretas em seu nome.
Esses valores se somam a outras participações financiadas por governos petistas em eventos, festivais e shows, consolidando um histórico de dependência da verba pública para sustentar grandes produções de um artista que, paradoxalmente, sempre teve grande poder de bilheteria.
A sátira do ato: champanhe ou pão com mortadela?
A convocação de Caetano rapidamente gerou memes e ironias nas redes. Internautas dividiram a possível cena do protesto em dois perfis distintos:
- A elite cultural engajada, chegando em carros de luxo, brindando com champanhe francês e degustando pratos sofisticados entre um discurso e outro.
- A militância de base, tradicionalmente mobilizada com pão com mortadela, refrigerante barato e palavras de ordem.
A caricatura expõe a contradição: de um lado, artistas milionários que ao longo dos anos receberam recursos generosos dos cofres públicos; de outro, cidadãos desempregados ou em dificuldades, convocados para engrossar o coro das ruas em defesa de uma pauta que talvez nem compreendam em sua totalidade.
O espetáculo do engajamento
A grande questão é se a convocação de Caetano é uma genuína defesa da democracia ou apenas mais um capítulo de um espetáculo político-cultural onde o ingresso já foi pago e pago pelo contribuinte.
Enquanto a população batalha para pagar contas, artistas que receberam milhões do governo clamam por mobilização popular. O contraste salta aos olhos: será que todos os artistas de esquerda iriam às ruas tomando champanhe, enquanto a base vai comendo mortadela? Ou será que o povo já percebeu que a “resistência cultural” muitas vezes tem mais a ver com privilégios do que com luta popular?