Caso Mariana Ferrer: ataques a blogueira durante julgamento sobre estupro provocam indignação

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CNJ abriu investigação sobre conduta de juiz que inocentou empresário em SC. Promotor que pediu absolvição disse que não houve provas de dolo, ou seja, intenção de cometer estupro.

O tratamento recebido por uma jovem durante o julgamento do homem que ela acusou de estupro em Santa Catarina provocou indignação, reação do Conselho Nacional de Justiça e críticas de ministros de tribunais superiores.

A blogueira Mariana Ferrer acusa o empresário André de Camargo Aranha de tê-la estuprado em dezembro de 2018, em um camarim privado, durante uma festa em um beach club em Jurerê Internacional, em Florianópolis. Ela tinha 21 anos e era virgem.

As únicas imagens recuperadas pela polícia mostram Mariana na companhia do empresário. Ela suspeita que tenha sido drogada e que, por isso, não sabe exatamente o que aconteceu. Nas roupas dela, a perícia encontrou sêmen do empresário e sangue dela. O exame toxicológico de Mariana não constatou o consumo de álcool ou drogas.

Em depoimento, André Aranha disse que fez sexo oral. A defesa do empresário diz que ele não estuprou Mariana.

Vídeo: Matéria.

https://globoplay.globo.com/v/8993436/

O inquérito policial concluiu que o empresário havia cometido estupro de vulnerável, quando a vítima não tem condições de oferecer resistência. O Ministério Público denunciou o empresário à Justiça.

DEPUTADO FEDERALJÚLIO CÉSAR RIBEIRO MANIFESTOU-SE EM SUAS REDES SOCIAIS SOBRE CASO.

Durante o processo, o promotor do caso foi transferido para uma outra promotoria e o entendimento do novo promotor foi de que o empresário não teria como saber que Mariana não estava em condições de dar consentimento à relação sexual, não existindo, assim, o dolo, a intenção de estuprar. Essa conclusão do promotor está sendo chamada de “estupro culposo”. Aranha foi absolvido.

Na sentença, o juiz Rudson Marcos concluiu que não havia provas suficientes para a condenação – só a palavra da vítima – e que, na dúvida, preferia absolver o réu. A tese de um estupro sem dolo causou espanto, assim como a atuação agressiva do advogado do empresário nas audiências de instrução do processo.

O caso voltou à tona nesta terça-feira (3) depois que o site The Intercept Brasil publicou o vídeo de uma audiência do caso em que o advogado de defesa, Cláudio Gastão da Rosa Filho, exibe fotos sensuais feitas por Mariana Ferrer quando era modelo profissional, definindo-as como “ginecológicas”; ele afirma ainda que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana e, ao vê-la chorar, diz:

– Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo.

É possível ver, no vídeo da audiência, que a jovem reclamou do interrogatório para o juiz.

“Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”, diz ela.

O juiz avisa Mariana que vai parar a gravação – a audiência foi feita por vídeoconferência – para que ela possa tomar água e pede para o advogado manter um “bom nível”.

Reações

A Corregedoria Nacional de Justiça abriu investigação sobre a conduta do juiz Rudson Marcos durante audiência no processo.

Em 9 de outubro, a Corregedoria Nacional do Ministério Público instaurou reclamação disciplinar para apurar supostas irregularidades da atuação do membro do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. A reclamação foi instaurada com base em representação feita pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes se manifestou sobre o caso em uma rede social: “As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram.

DANI SALOMÃO MANIFESTOU-SE EM SUAS REDES SOCIAIS SOBRE CASO.

MP e advogado

Em nota, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho disse que “André de Camargo Aranha inocente da acusação de estupro, acatando a alegação final do Ministério Público e a tese da defesa para que fosse julgada improcedente a denúncia contra André Aranha.” Leia a íntegra:

“Não podemos falar muito em respeito ao sigilo do Processo, mas gostaria de esclarecer alguns pontos importantes sobre a matéria publicada pelo The Intercept, que gerou uma onda massiva de comentários equivocados sobre o caso.

O magistrado considerou André de Camargo Aranha inocente da acusação de estupro, acatando a alegação final do Ministério Público e a tese da defesa para que fosse julgada improcedente a denúncia contra André Aranha. Ou seja, os fatos foram completamente esclarecidos após investigação policial e nos autos processuais, os quais constataram que houve uma relação consensual entre duas pessoas e foi atestado que ambos estavam com a sua capacidade cognitiva em perfeito estado, conforme atestam os laudos e confirmam os peritos. É importante ressaltar que o termo utilizado na matéria “estupro culposo” não é uma terminologia jurídica existente, e em nenhum momento foi utilizado pelo magistrado.

O caso foi tratado com a devida legitimidade pelo Ministério Público e prestamos esse esclarecimento visando o combate à desinformação que informações mal interpretadas, descontextualizadas e equivocadas podem gerar”.

Leia a íntegra da nota divulgada pelo Ministério Público de Santa Catarina:

MPSC reafirma que réu foi absolvido por falta de provas por estupro de vulnerável

Não é verdadeira a informação de que o Promotor de Justiça manifestou-se pela absolvição de réu por ter cometido estupro culposo, tipo penal que não existe no ordenamento jurídico brasileiro. Salienta-se, ainda, que o Promotor de Justiça interveio em favor da vítima em outras ocasiões ao longo do ato processual, como forma de cessar a conduta do Advogado, o que não consta do trecho publicizado do vídeo.

A 23ª Promotoria de Justiça da Capital, que atuou no caso, reafirma que combate de forma rigorosa a prática de atos de violência ou abuso sexual, tanto é que ofereceu denúncia criminal em busca da formação de elementos de prova em prol da verdade. Todavia, no caso concreto, após a produção de inúmeras provas, não foi possível a comprovação da prática de crime por parte do acusado.

Cabe ao Ministério Público, na condição de guardião dos direitos e deveres constitucionais, requerer o encaminhamento tecnicamente adequado para aquilo que consta no processo, independentemente da condição de autor ou vítima. Neste caso, a prova dos autos não demonstrou relação sexual sem que uma das partes tivesse o necessário discernimento dos fatos ou capacidade de oferecer resistência, ou, ainda, que a outra parte tivesse conhecimento dessa situação, pressupostos para a configuração de crime.

Portanto, a manifestação pela absolvição do acusado por parte do Promotor de Justiça não foi fundamentada na tese de “estupro culposo”, até porque tal tipo penal inexiste no ordenamento jurídico brasileiro. O réu acabou sendo absolvido na Justiça de primeiro grau por falta de provas de estupro de vulnerável.

O Ministério Público também lamenta a postura do advogado do réu durante a audiência criminal, que não se coaduna com a conduta que se espera dos profissionais do Direito envolvidos em processos tão sensíveis e difíceis às vítimas, e ressalta a importância de a conduta ser devidamente apurada pela OAB pelos seus canais competentes.

Salienta-se, ainda, que o Promotor de Justiça interveio em favor da vítima em outras ocasiões ao longo do ato processual, como forma de cessar a conduta do Advogado, o que não consta do trecho publicizado do vídeo.

O MPSC lamenta a difusão de informações equivocadas, com erros jurídicos graves, que induzem a sociedade a acreditar que em algum momento fosse possível defender a inocência de um réu com base num tipo penal inexistente.

Fonte. Notícia mundo.