CLDF : Em audiência pública, usuárias do contraceptivo Essure relatam sofrimentos e descaso

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À frente da audiência pública, o deputado Fábio Felix elogiou a coragem das vítimas do Essure e defendeu uma “escuta generosa e aberta” por parte da Secretaria de Saúde.

Adotado pelo SUS em 2009 como uma solução contraceptiva definitiva para mulheres – alternativa à laqueadura –, o sistema Essure, da alemã Bayer, acabou se transformando num problema de saúde em várias partes do Brasil e do mundo. Durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa, nesta segunda-feira (26), mulheres com o dispositivo relataram sofrimentos causados por reações adversas e descaso nos atendimentos da Secretaria de Saúde. O DF implantou o contraceptivo em 2.226 mulheres.

Entre as consequências da implantação do Essure – sistema de molas de 4cm posicionadas na passagem que liga as trompas ao útero –, mulheres relatam dor crônica, mudança no fluxo menstrual, migração do dispositivo para outras partes do corpo, fortes dores durante o ato sexual e até gestações indesejadas. Efeitos como esses e a polêmica internacional envolvendo o método levaram a Anvisa a suspender, em 2017, o uso do dispositivo no Brasil.

Conforme destacou a presidente da Associação de Mulheres Vítimas do Essure, Kelli Patrícia da Luz, a decisão da Anvisa foi acompanhada de instrução para que todas as usuárias do contraceptivo fossem contactadas e informadas dos riscos e da eventual necessidade de retirada do dispositivo por meio de cirurgia. Segundo ela, contudo, isso nunca aconteceu. As mulheres que começaram a apresentar problemas de saúde tiveram de se organizar e ainda hoje enfrentam muitas dificuldades ao procurarem atendimento. “Já fomos tachadas de loucas, nos unimos e viemos buscar um direito constitucional. Mas, nos corredores do HMIB [onde os dispositivos foram implantados], agora somos uma associaçãozinha de mulheres à toa”, contou.

Kelli relatou casos de mulheres que, por terem passado a conviver diariamente com dores ou sangramentos, perderam o emprego, por exemplo. E cobrou: “Queremos reparação por um erro causado na compra de um dispositivo que já teve o aval da Anvisa e perdeu esse aval. Quem é o responsável? Por que o governo atual não se mobiliza para nos dar realmente o suporte necessário? Por que insistem em negar os efeitos do dispositivo?”.

A assistente social Gislaine Almeida Medeiros teve o sistema contraceptivo implantado em 2012. “Foi na segunda leva do mutirão que teve no HMIB. Desde então, minha saúde só vem decaindo. Tive sete filhos, e antes nunca tinha tido problemas ginecológicos”, contou. “O que sofremos foi uma violência obstétrica. Quando anunciaram a implantação do Essure, disseram ser algo revolucionário. Mas viramos notícia de uma forma trágica. Algumas mulheres já até morreram, e outras estão na cadeira de rodas por conta desse método”, lamentou.

Assim como Kelli, Gislaine também reclamou da forma como as pacientes são tratadas, muitas vezes, ao procurarem assistência, com descrédito: “É difícil ouvir que o que a gente sente é modismo de rede social, que somos loucas ou desocupadas”. Além disso, ambas denunciaram retaliações de médicos após reclamações feitas à ouvidoria do HMIB.

À frente da audiência pública, o deputado Fábio Felix (PSOL) elogiou as exposições das vítimas do Essure – tanto por meio do vídeo como do chat da audiência remota: “Sabemos o quanto é difícil contrapor o poder público, o lugar de autoridade. Agradeço a coragem”. O distrital defendeu uma “escuta generosa e aberta” por parte da Secretaria de Saúde, “para que o foco seja o tratamento humanizado e a reversão do que essas mulheres estão vivendo”.

“O governo fez mutirão para colocar os dispositivos, teve muita rapidez para isso; agora precisa ter a mesma celeridade e compromisso com as pessoas em sofrimento”, continuou Felix.

Denúncias

O distrital defendeu, ainda, novas equipes para atenderem e acolherem as vítimas do Essure, distintas das que atuaram na implantação do dispositivo, de forma a “distensionar” os atendimentos. Além disso, Felix se comprometeu a encaminhar as reclamações e os relatos de violências relacionados aos profissionais que têm prestado as assistências.

O subsecretário de Atendimento Integral à Saúde, Alexandre Garcia, frisou ser importante registrar todas as queixas na ouvidoria da secretaria. Sobre a proposta de novas equipes para atender as pacientes do Essure, ponderou: “Não temos muitos recursos humanos, e nem todo ginecologista sabe trabalhar com o método. Mas vamos afastar os servidores desrespeitosos”. O gestor destacou, também, que o Centro Especializado de Saúde da Mulher (Cesmu) é referência para o acolhimento dessas pacientes.

Na mesma linha, o obstetra e secretário-adjunto de Assistência à Saúde, Petrus Sanchez, destacou que muitos profissionais ginecologistas “nem conhecem o Essure” e reforçou o pedido de formalização das denúncias. Assim como Garcia, Petrus também pediu compreensão neste momento de pandemia: “O foco Covid tem exigido muito”.

Direitos e justiça

A promotora Alessandra Morato, da Promotoria de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-vida), apontou a audiência desta manhã como “um marco na defesa do direito das mulheres a uma assistência a seus direitos reprodutivos e na defesa da dignidade que todo cidadão possui ao recorrer ao SUS”. Ela detalhou uma série de ações da promotoria até conseguir “a vitória tremenda que significa o acolhimento da causa pelo Judiciário”, de forma a garantir o direito à cirurgia de retirada do Essure.

Além disso, Alessandra Morato informou ter determinado a instauração de investigação criminal, para apurar a conduta de profissionais de saúde designados a prestar atendimento por conta de ações judiciais e que são suspeitos de terem atuado com “desídia e negligência”, “impedindo o direito a uma vida reprodutiva livre de dor e risco, fazendo piada da dor e desqualificando relatos”.

Por sua vez, a promotora Fernanda da Cunha Moraes, da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus), narrou os esforços por um protocolo de assistência às vítimas do Essure e um sistema de regulação. Segundo informou: das 2.226 mulheres com o contraceptivo no DF, 225 constam na lista da Prosus. Dessas, 23 já realizaram a cirurgia, e 74 foram encaminhadas para o procedimento de retirada. De acordo com a promotora, as vítimas do Essure podem entrar em contato com a promotoria por meio do e-mail [email protected]

Fonte: Denise Caputo – Agência CLDF.